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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As duas faces da Moeda

Amanhecia e ele não dormira uma mísera hora sequer, tinha rolado a noite inteira de um lado pro outro na cama, a cabeça cheia de pensamentos inquietantes. Aquilo não era nenhuma novidade, perdera a conta de quantas vezes isso tinha acontecido somente naquele mês. Quando tinha sorte dormia três, talvez quatro horas numa noite a ao amanhecer tentava lembrar de algum motivo que fizesse valer a pena se levantar da cama e encarar mais um dia, geralmente não encontrava.
Suspira fundo, passa a mão pelos cabelos, fecha os olhos e começa a lembrar de coisas perturbadoras, nesse momento gostaria de ter um tipo de amnésia seletiva, gostaria imensamente de ter o poder de deletar de sua mente certos fatos e pessoas que passaram por sua vida, imaginava como seria se seu cérebro fosse o disco rígido de um computador e fosse simplesmente escolher um arquivo, apertar um botão pronto como num passe de mágicas tudo fosse apagado de sua mente, não gostaria nem mesmo que fosse para o arquivo lixo (que ele encarou como o subconsciente) deletaria de vez só pra não ter a possibilidade de que um dia, em um momento de fraqueza aquela informação fosse restaurada.
Achou uma comparação ridícula e sorriu, ta aí uma coisa que ele não fazia a algum tempo, sorrir, pelo menos sorrir de verdade, com gosto. Ultimamente o sorriso tinha se transformado numa formalidade, as pessoas acostumaram-se a velo sorrindo e estranhavam quando ele não estava constantemente assim. Era quase uma obrigação sua estar bem, ou pelo menos parecer bem, as vezes tinha a impressão que achavam ele algo como um E.T. ou coisa do tipo, não davam a ele o direito de se sentir mal e expressar isso. Então ele sorria, ou pelo menos fingia, mas não importava, a grande maioria das pessoas que o cercava jamais percebeu a diferença de quando ele estava bem e quando fingia estar bem. As pessoas eram egoístas demais e olhavam fixamente apenas pro seu maldito umbigo, e quando perguntavam se havia algum problema nunca estavam preparados pra ouvir um “sim estou com problemas”. Ele logo percebeu que nem todos eram como ele, que quando perguntava se alguém estava bem, realmente se interessava em tentar ajudar se pudesse. Talvez seja esse o ponto, ele pensou, essa disposição sempre a ajudar talvez fizesse que as pessoas ficassem mal acostumadas, talvez...
O pensamento é interrompido pelo despertador do celular: “maldito celular” ele pensa e sente ímpetos de tacar aquele aparelho barulhento na parede e transformar ele em mil pedaços, mas ele lembrou que ele que tinha escolhido aquele toque barulhento como despertador, e que depois seria ele que teria gastar dinheiro comprando outro, lembrar disso, principalmente da parte do gastar dinheiro o impediu de transformar a vontade em ação.
Desliga o despertador do celular e começa a meditar na vontade repentina de quebrar o aparelho e como quase transformou o telefone em um amontoado de circuitos espatifados, percebeu que estava a cada dia mais impaciente, tendo acessos de fúria constantes, mas não deixava transparecer, por fora em seu rosto e em sua atitude estava calmo e sereno como sempre, contudo por dentro se pudesse quebraria tudo ao seu redor, mas ninguém jamais percebia como ele realmente estava.
Já eram mais de 8 da manhã e o seu quarto estava mergulhado na mais completa escuridão – o quarto só não está mais escuro que meus pensamentos – ele disse pra si mesmo, tanta coisa já tinha acontecido com ele que acabou transformando radicalmente seu jeito de pensar, contudo essa diferença era quase imperceptível, pelo menos por fora, no entanto ele tinha muitos conflitos interiores e as coisas que pensava as vezes diante de momentos de crise o assombravam. Tentava lembrar em que parte do caminho se perdeu, ele que era quase infantil no seu modo de ver a vida, o que antes era sua essência hoje não passa de uma casca, se assombra com as coisas que sente vontade de fazer agora, porém ele luta contra isso como pode, mas ninguém percebe.
Suspira mais uma vez e decide se levantar, não adianta enrolar na cama por mais um tempo. Então levanta-se, lava o seu rosto, troca de roupas, toma café e sai para colocar o lixo pra fora, ao olhar o saco de lixo em seu pensamento diz não haver muita diferença entre o conteúdo do saco e ele. Ao sair na varanda dá de cara com a sua vizinha a dona Eunice que sorrindo o saúda: “ Bom dia vizinho”, no que ele responde sorrindo “Bom dia dona Eunice como vai a senhora?”  “Estou bem, provavelmente não ao bem quanto você, você está sempre sorrindo, com certeza não tem muitos problemas não é mesmo?” Então ele responde com um sorriso que foi se apagando aos poucos “a senhora nem sabe o quanto...” deixa o lixo dentro da lata e torna a entrar...

4 comentários:

  1. Querido Arcanjo!

    Infelizmente temos que usar certas mácaras: máscara do bem para não demonstrar os nossos conflitos interiores ou os terremotos que queiram nos engolir.
    Ao menos o sorriso chamou a atenção da vizinha!

    Beijos meus

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  2. Pois é minha flor, mas ainda bem que existem pessoas pras quais não precisamos mascarar nada, e vc é uma dessas pessoas pra mim... Beijos.

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  3. Mascaras que um dia caem ...ou apenas se fixam em nossas faces.. e é quando nem lembramos quem fomos,somos e podemos ser... 'brincadeira' arriscada..mesmo sendo precisa para se viver!

    Abraço.
    Belo texto.

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  4. Que bom que você gostou, obrigado pelo cainho... Bjos.

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