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domingo, 14 de agosto de 2011

O Homem de Mil Rostos



Todas as manhãs era a mesma coisa: ele abria os olhos, espreguiçava-se em sua cama e levantava-se lentamente, ia até seu armário e escolhia o rosto que usaria naquele dia, tarefa árdua essa de ter a vida perfeita, mas fazer o que era o preço a ser pago. Hoje ele teria uma importante reunião em seu escritório, estavam pra fechar um importante negócio e não poderia haver falhas, o que usar? Optara pelo terno cinza, passava uma imagem de sobriedade e ele sabia melhor que ninguém que imagem é tudo, foi na direção das gravatas e escolheu uma gravata vermelha, indicava força e pra completar escolhera o rosto de executivo de sucesso, estava pronto.
Ao descer pra tomar café com sua esposa agiu de forma fria, o rosto de executivo de sucesso não combinava com uma atitude carinhosa, ele a recompensaria mais tarde quando voltasse, quando viesse com os louros da vitória de mais uma batalha vencida poderia por o rosto de bom marido e levá-la para jantar, havia algum tempo que eles não faziam isso... mas ela compreendia, afinal ele sustentava todos os seus caprichos e seus presente com certeza compensavam suas ausências cada vez maiores. O rosto de executivo de sucesso exigia que ele não fosse exatamente fiel, afinal ele não podia ser diferente dos outros e todos os outros grandes executivos de sua empresa tinham uma amante, problema esse que ele resolvera com a sua secretária.
No escritório sua atitude confiante e palavrório eloquente convenceram a todos, realmente não parecia o mesmo homem que estava tremendo alguns minutos antes de começar a reunião, mas ele sabia imagem era tudo e ele mais uma ver conseguiu. Ao sair da reunião colocara o rosto de amante para comemorar seu sucesso com sua bela secretária, o mesmo motel de sempre, com seu rosto de amante ele podia fazer mil loucuras, aliás, deveria fazer. A princípio ele não queria, amava a sua esposa, finalmente ela tinha aceitado engravidar e planejavam agora ter filhos, mas fazia parte da imagem de um executivo de sucesso, e ele sabia imagem era tudo.
Algumas horas depois ao sair do motel ele tira o rosto de amante e coloca o de marido dedicado, a consciência lhe pesava, era verdade que a cada dia menos, começava a enxergar em sua esposa defeitos que nunca viu antes: ela estava a cada dia mais irritadiça, e brigava com ele a toa, exigia atenção. Falava que não eram mais como antes, que ele não ligava mais pra ela e que a situação se tornava a cada dia mais insustentável. Mas ele sabia o que fazer, aparecer em casa com um belo presente, usar as palavras certas, o rosto certo e tudo se resolveria, afinal ele sabia bem imagem era tudo.
No caminho viu os pais e seus filhos brincando na praça e ao ver aquilo sorriu. Pensava que estava próximo o tempo que enfim poderia realizar seu sonho de ser pai e ficou pensando como seria o seu rosto de pai, deveria pensar logo nisso, ele queria passar uma imagem de um bom pai, isso ajudaria em casa, nos negócios e em todas as outras áreas, uma família estruturada e bem organizada sempre gerava uma boa imagem e ele sabia, imagem era tudo.
Chegando à joalheria escolhera o mais belo colar, o que chamava mais atenção, o preço não importava, ele sabia que se chegasse em casa com o presente certo, as palavras certas e o rosto certo tudo se resolveria. Além do mais logo haveria um jantar com a alta cúpula dos executivos de sua empresa, nesse jantar seria anunciado que ele se tornara o mais novo sócio daquela importante empresa e a sua esposa precisava estar deslumbrante, naquele círculo não era suficiente caráter, competência ou coisas desse tipo, na verdade isso era o que menos importava. O que realmente importava era a ostentação. Ele sabia que aquilo era fundamental pra sua imagem, e ele sabia imagem era tudo.
Ao chegar em casa viu a casa fechada e tudo apagado, alguma coisa estava errada, entrou e viu um bilhete em cima da mesa e seu conteúdo o fez perder o chão, o bilhete dizia o seguinte: “Me cansei de tentar sustentar essa mentira perfeita, essa imagem de boa esposa, feliz, abnegada, generosa e compreensiva, me cansei da falta de carinho, das traições e da falta de atenção, não posso ser comprada com presentes caros ou jantares em restaurantes badalados, você não e mais o homem que conheci um dia, não te reconheço mais nesses desses muitos rostos que você possui. Por favor me esqueça que eu farei o mesmo.”
Ao ler aquilo ele quis chorar, mas o seu rosto de homem impedia que as lágrimas caíssem então ele guardou toda a dor dentro de si. O divórcio foi um processo doloroso, mas ele usou o rosto de homem impassível e não demonstrou que sofria, poderia ter voltado atrás, poderia ter pedido perdão, poderia ter feito muitas coisas, mas aquilo, segundo ele, feriria sua imagem de homem e ele sabia imagem era tudo.
O tempo passou e ele envelheceu, teve dinheiro, sucesso, todas as mulheres que seus presentes poderiam comprar, teve carros, iates e mansões, teve muitos amigos e inimigos, e foi alvo da inveja de muitos pois todos invejavam a sua vida perfeita. Já no fim da vida percebeu que ele possuía tudo, menos o que realmente importava: a felicidade. E isso aconteceu por que ele usara por toda a sua vida muitos rostos, menos o que ele deveria ter usado, o seu.

6 comentários:

  1. Querido Arcanjo!

    A Felicidade tem um único preço a "verdade e os valores", não há status ou sucesso que possa compra-la!
    Adorei o texto, bem que poderia inserir no plano de carreira de certos executivos...!

    Beijos meus.

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  2. Condessa:

    Obrigado por seus elogioe obrigado por sua visita, Bjos carnhosos em seu coração

    Guímel:

    É sempre muito bom receber sua visita ao meu mundinho, que bom ue minhas experiências em narração estão agradando ocê. Espero que tudo corra bem pra você e que essa nuvem negra que paira sobre vocÊ se dissepe logo minha estrela de Luz Lilás...

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  3. Maravilhoso conto Arcanjo! Parabéns!
    Realmente na atualidade vemos que muitas pessoas pessoas, (incluindo nós mesmos) se preocupam muito com a imagem. Sempre pensamos "se fizer isso, opu aquilo o que os outros irão pensar de mim?" E muitas das vezes por conta disso perdemos nossa originalidade, nossa individualidade..nos tornamos uma imagem que os outros querem ver em nós...

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  4. Obrigado Michele, você sempre gentil com o que Escrevo... Bjos.

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  5. Arcanjo, vim, a principio, retribuir sua visita ao meu blog e chegando aqui me encantei com sua escrita.
    Adorei seu conto... muito bom. Vivemos num mundo onde convivemos com as pessoas e após algum tempo nos perguntamos quem realmente elas são... nos deparamos com dúvidas e muitas delas nos fazem fazer a seguinte pergunta: essa é uma sociedade dita civilizada ou um grande baile de máscaras? Aprecio muito esse tema, em vários poemas e outros escritos abordo sobre a verdadeira face do ser humano por trás de suas máscaras.

    Obrigada por sua visita... também estou te seguindo...

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