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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Estranhamento(baseado no Texto de Laís Santos)

Ele abre os olhos em mais uma manhã de segunda feira, mais uma semana que se inicia tudo normal – Normal até demais – suspira enquanto com gestos mecânicos, quase inconscientes levanta-se, desliga o despertador do celular que insiste tocar uma música pavorosamente barulhenta para aquele horário, vai em direção ao guarda roupas, pega uma roupa previamente escolhida na noite anterior, uma toalha no armário do banheiro e vai tomar seu banho.

Entra no box, liga o chuveiro e deixa a água quente escorrer pelo seu corpo, e enquanto a letargia vai passando ele tem a nítida sensação de que algo está errado, há algo de diferente no ar, algo inexplicável e ao mesmo tempo estranhamente palpável, “esquisito isso” ele repete pra si mesmo enquanto ensaboa o seu corpo.
De repente parece ouvir chamarem seu nome bem baixo, foi apenas por um instante, mas ele teve a nítida impressão que alguém o chamava, desliga o chuveiro e presta atenção, mas como não ouve mais nada tenta esquecer.
“Não devia ter misturado gim com vodka ontem...” ele pensa enquanto enxuga o corpo, no entanto novamente seu nome é chamado dessa vez de forma alta e clara, amedrontado olha para todos os lados do banheiro e percebe que a voz parece vir do espelho. “Ferrou to completamente pirado”, ele pensa enquanto aproxima-se bem devagar, toma coragem e olha na direção do maldito espelho e se assusta com o que vê.
Quem era aquele que refletia ali? Os olhos são amedrontadores, parecem querer engolir tudo ao seu redor como um buraco negro nefasto. O rosto apresentava um sorriso meio que de canto de boca que denunciava ao mesmo tempo ironia, maldade, dissimulação e despertava nele os piores sentimentos possíveis. Mesmo assim, com todo estranhamento (isso, este é o termo correto, estranhamento) que a figura lhe proporcionava existia algo de familiar naquela imagem que surgia emoldurada em seu espelho. Enchendo-se de coragem e mandando às favas tudo o que a lógica e a razão lhe dizia ele pergunta a tão estranho ser: “Quem é você?” A resposta ouvida é aterradora e inacreditável “Oras, eu sou Você.”
Ao ouvir aquilo ele se petrifica, não consegue acreditar, contudo observando melhor, a imagem agora lhe parece mais nítida e sim é verdade, aquele ser amedrontador realmente é ele. Um estranho sentimento começa a se apossar dele, pobre homem há apenas alguns minutos atrás reclamava da entediante normalidade que tomava conta de sua vidinha pequeno-burguesa e agora passava por isso, pelo menos uma coisa é um fato isso não era nada normal.
Por um momento ele acredita estar sonhando, na verdade ele gostaria imensamente que aquilo fosse um sonho ruim, ele abre a torneira da pia e com a água gelada q sai banha seu rosto na esperança de que aquela imagem horrível se dissipasse do maldito espelho, contudo ao enxugar o rosto ele percebe que a maldita imagem ainda está lá e agora parece sorrir deforma debochada, como se fosse capaz de sentir a sua agonia e se divertisse com o papel patético que ele está fazendo.
Tudo isso levam horas ou apenas alguns segundos ele não sabe ao certo. Na verdade ele não sabe nada, não sabe por que suas mãos soam, seus joelhos tremem, seu coração se aperta, o peito dói - Por que, Por que essa sensação? Então ele se enche de coragem e fala, ou melhor, balbucia “Não pode ser.”
Mas é – responde a imagem refletida com uma calma aterradora. Eu sou quem você é de verdade, sou todos os seus defeitos, suas más intenções, sou tudo que existe de mau e egoísta em você, eu sou a escuridão que habita sua alma e contra quem você nunca lutou. Finalmente adquiri forças suficientes para me libertar e agora vim para reclamar um lugar que é meu de direito, finalmente tenho forças suficientes para me libertar e me livrar de você.
Impossível, ele murmura, não sou uma má pessoa, tenho muitos amigos, todos me conhecem como uma pessoa honrada, cumpridor dos meus deveres. Como assim você é a escuridão que habita dentro de mim? E como você ganhou forças? E a quanto tempo você existe?
A imagem refletida lhe responde calmamente – Oras faça-me o favor, você quer enganar a mim, ou melhor, enganar a si mesmo? Não vai me dizer que você mente a tanto tempo para os outros que acabou acreditando em sua própria mentira? Você é incapaz de um gesto nobre, pensa sempre em você mesmo sempre e esta sempre pronto a pisar nas pessoas para conseguir o que quer. Como se não bastasse isso, camufla tudo muito bem com uma grande dose de cinismo e dissimulação, a cada atitude assim você me dava mais forças, finalmente posso te destruir e tomar seu lugar. E quando isso acontecer todos finalmente saberão quem você é de verdade, a bela fantasia construída por você vai ruir como um castelo de cartas e tudo que sobrará sou eu.
Ele mal conseguia se segurar em pé e apoiado na parede escorregando lentamente, as mãos apoiadas na cabeça, não conseguia mais disfarçar o terror que se apoderava aos poucos dele, a única coisa que ele conseguia fazer era dizer que tudo aquilo não era verdade. Fazendo um esforço enorme sai do banheiro, num esforço inútil tenta fugir de tão aterradora figura, contudo como fugir de si mesmo? Entra novamente no quarto e ao olhar pro espelho do guarda roupas aberto a figura está lá, sua voz parece tomar conta do apartamento repetindo pra ele sempre as mesmas coisas. Ele tenta fechar os ouvidos, mas a voz agora vem de dentro sua cabeça.
Você não pode fugir de mim, pois você é incapaz de fugir de você mesmo, dizia tão aterradora figura. E o fazia lembrar todas as pessoas que ele iludiu, enganou, prejudicou pra poder chegar onde queira. No começo sentia-se incomodado em fazer certas coisas, mas repetia pra si mesmo: “São negócios, preciso usar todos os meios disponíveis para vencer na vida, se eu mão lutar por mim quem vai?”
Lembrava-se também de todas a mulheres que usou, jurou muitas coisas e não cumpriu nenhuma delas, de como não valorizou nada buscando apenas seus prazeres egoístas e hedonistas. Da facilidade que falava em amor, e da facilidade maior ainda de jogar as pessoas fora como uma das camisinhas que usava depois de uma noite de satisfação. “Tenho o direito de ter um pouco de prazer” repetia pra si mesmo, quando nos momentos de lucidez, que se tornavam cada vez mais raros, pensava nos rumos que estava dando em sua vida.
Tudo isso e muito mais se passava na cabeça dele, enquanto a maldita voz se fazia cada vez mais alto, aquela figura que insistia em dizer que era ele estava em todos os cantos, o desespero aumentava cada vez mais, ele iria enlouquecer, ou será que já tinha enlouquecido? Nada fazia muito sentido agora, já não raciocinava, lembra-se da arma que guardava na gaveta de seu quarto, iria acabar com ele, mas como acabar consigo mesmo? Pega a arma ela está carregada, aponta a arma na direção do espelho e a imagem sorri – “eu vou acabar com o seu sorriso maldito” – ele dizia, “faça o que tem de fazer” lhe respondia a imagem. Mirava a cabeça da imagem no espelho( ou seria sua própria cabeça)? O sol brilha, pássaros cantam, crianças brincam no parque de repente o estampido seco, o baque do corpo e novamente o silêncio
Algumas horas depois todos os vizinhos não paravam de comentar: “nossa por que será que ele fez isso?” “Era uma ótima pessoa, incapaz de fazer mal a uma mosca.” “Por que será que um homem tão bom como ele meteria uma bala na própria cabeça?” “Quem sabe não foi alguma desilusão amorosa?” “Talvez foi traído por algum amigo e não agüentou o baque” “Ou quem sabe  algo relacionado ao seu emprego?” “Pensava sempre nos outros primeiro, com certeza existem poucas pessoas como ele por aí...”

4 comentários:

  1. Querido Arcanjo!

    Adorei a nova artéria... um conto maravilhoso!
    Por que será que ele se matou? Um homem tão bom...

    Beijos Enormes

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  2. Obrigado minha estrela, você como sempre um poço de gentilezas com meus rabiscos... Bjos Angelicais...

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  3. Oi, passeando pelos blogs encontrei o seu.. muito bom o seu blog, vc escreve contos maravilhosos! Parabéns!

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  4. E todos nós temos um pouco de o médico e o mostro msm...

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